quarta-feira, 27 de março de 2013


Um olhar atento acerca dos problemas da água no Brasil e no vale do Araranguá

As últimas estiagens ocorridas no sul do Brasil, em especial na região do vale do Araranguá, entre os anos de 2011 a 2012 serviu de alerta para mostrar a todos (as) de que a água é um recurso mineral finito e indispensável à sobrevivência animal, que persistindo as práticas equivocadas quanto ao seu manejo e do próprio solo, a próxima estiagem certamente pode se prolongar por vários anos, proporcionando conflitos generalizados pela disputa desse mineral. Para ilustrar, no ano de 2012 ocorreram no Brasil, envolvendo 19 estados, 115 conflitos relacionados com a água e que totalizaram 184.925 pessoas envolvidas.
 O que gerou espanto e preocupação por parte da população da região do vale do Araranguá, no período da estiagem, habituada com a abundância das chuvas nos últimos tempos, foi à redução significativa dos níveis dos mananciais de abastecimento público como a Barragem do Rio São Bento no município de Nova Veneza e a secagem completa de poços e aquíferos subterrâneos, levando algumas prefeituras a decretarem situação de emergência, forçando-as a recorrerem a carros pipas para atender as comunidades rurais que foram as mais afetadas.
O drama da falta d’água sentida na região sul contribuiu para refletir sobre erros que vem sendo cometidos acerca do seu uso e principalmente o modo pelo qual o solo está sendo manejado para uso agrícola. A rizicultura de irrigação e a fumicultura se tornaram nas últimas décadas nas principais atividades econômicas de vários muitos municípios da região sul de Santa Catarina. A cultura do arroz irrigado é sem sombra de dúvidas a atividade que vem gerando discussões acaloradas quanto ao seu manejo, demandando volumes elevados de água especialmente na estação cuja incidência de chuvas é menor. Motivada pelos preços atrativos pagos ao produtor, a cada ano vastas áreas de várzeas são ocupadas por novas plantações e cuja captação da água é proveniente dos afluentes e subafluentes do Rio Araranguá.  O agravante é que tal cultura continua adotando práticas ainda danosas ao ecossistema como uso indiscriminado de herbicidas e outras substâncias tóxicas que contaminam as águas superficiais e as subterrâneas que abastecem os aqüíferos.
Com base em relatórios de análises realizadas pelo SAMAE acerca da qualidade das águas subterrâneas do município de Araranguá, entre os anos de 2006 a 2010, chegou-se a conclusão assustadora de que a água oriunda do subsolo consumida por expressiva parcela da população apresenta altos níveis de contaminação por metais pesados como manganês, alumínio, ferro e nitrato. A presença desses elementos e de outros não investigados, acima dos níveis aceitáveis pela Organização Mundial de Saúde, serve de alerta para que as autoridades do município adotem medidas emergenciais visando identificar os fatores que levaram e ainda levam sua contaminação. Em relação aos efeitos desses metais pesados ao organismo humano recomenda-se ler o artigo elaborado pelo professor Jairo Cezar “mananciais subterrâneos de Araranguá estão contaminados” http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br/2011/06/aguas-subterraneas-de-ararangua-estao.html, para conhecer mais acerca dos riscos à saúde que estão submetidas às populações quando ingerem tal líquido.
Especula-se que o problema da contaminação dos lençóis subterrâneos tenha alguma relação com a própria constituição geomorfológica da região, ou seja, o tipo de rocha existente ou a presença de matéria orgânica em decomposição nos limites do aqüífero. Para resolver o problema da contaminação por alguns desses metais, a recomendação de profissionais entendidos do assunto é rebaixar ainda mais poços de modo que ultrapassem as camadas de rochas possivelmente responsáveis pela contaminação. A hipótese de ser a estrutura geológica do município responsável pela contaminação dos aquíferos é questionada por ambientalistas e pesquisadores. Admitir que o problema seja resultante da disfunção físico/química do próprio solo, excluem do debate outros fatores como o antrópico/ação humana, que progressivamente vem recebendo solidariedade de expressiva parcela da sociedade.
A causa antrópica realmente tem que ser considerada, pois nota-se que no relatório, a presença de nitrato na água é mais freqüente nas áreas rurais, especialmente em solos arenosos utilizados na cultura do fumo.  Desconsiderar tais informações por parte das autoridades ligadas à saúde do município é se colocar a margem de um problema que, com razão, pode também estar relacionado ao agravamento de doenças degenerativas e cardiovasculares cujos índices.
Embora o relatório com as amostras de contaminação tenha sido divulgado em 2011, não há informações de que tenha havido manifestações do poder público na solução do problema. Portanto, é recomendável que cidadãos e cidadãs que captam a água para o consumo do subsolo através de ponteiras e poços, façam análises periódicas da mesma para verificar a existência de metais pesados ou outras substâncias contaminantes.   
O problema da água não é exclusividade da região do vale do Araranguá e nem a cultura do arroz e do fumo são consideradas as principais vilãs. A questão é mais complexa e deve ser tratada com prioridade envolvendo gestores públicos e a sociedade civil organizada de modo a buscar soluções conjuntas acerca do manejo e uso sustentável desse recurso.   A proposta de integrar governantes e a sociedade civil no debate de políticas ligadas a questões ambientais, cada vez mais vem demonstrando que tais iniciativas continuam ainda muito aquém do esperado. Isso ocorre devido ao modelo desenvolvimentista que está sendo adotado no Brasil, pautado em políticas públicas cujo montante dos recursos orçados são direcionados para grandes obras de infraestrutura como hidrelétricas ou médias barragens como a do Rio do Salto, no município do Timbé do Sul, cujo projeto se arrasta a mais de trinta anos envolto de incertezas.
Além dos conflitos pelo uso da água que se expande no sul de Santa Catarina, em âmbito nacional o destaque é a alteração do fluxo normal do Rio Xingu com a instalação da Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que está alterando todo um ecossistema, levando a extinção de centenas de espécies da fauna e flora local, sem contar o impacto social nas comunidades tradicionais que habitam essas terras há séculos.
Outro caso emblemático e exemplo de desperdício de dinheiro público é o controverso projeto de transposição do Rio São Francisco, cuja versão oficial é levar água do São Francisco para atender as populações do semi-árido nordestino afetadas pela estiagem. A justificativa não oficial dá conta de que os recursos disponibilizados superiores a cinco bilhões de reais são apenas para obras infraestruturais como construção de túneis e desvios de morros para atingir os grandes açudes de região. O que não é divulgado pela mídia são as falhas grotescas que estão sendo cometidas na execução da obra como traçados mal feitos, túneis construídos em locais e que deveriam ser em outros, etc., etc.
A conclusão da primeira parte do projeto, cuja meta seria para 2014, tudo indica que dificilmente será entregue em tempo hábil. A obra de transposição, de acordo com informações provenientes de organizações não governamentais da região afetada está bem dizer parada devido a não transferência de recursos federais para as empreiteiras responsáveis pelos lotes, sendo a justificativa apresentada são as grandes obras para a copa do mundo de 2014.    
Se já há problema para a conclusão da primeira etapa do projeto que é levar água até os grandes açudes, como ficará a próxima etapa, cuja finalidade é transportá-la até os açudes, às cidades e as áreas rurais? A dúvida é lançada porque essa fase não está incluída no orçamento inicial, devendo passar por um novo processo tanto de licitação como de avaliação orçamentária.
Como se vê, o desrespeito das autoridades governamentais e dos representantes do capital com o líquido sagrado (água) é imenso. O fato marcante do século XXI no Brasil, que provocou indignação por parte da sociedade, organizações não governamentais e comunidades científicas foi a aprovação da lei do novo Código Florestal, cujo texto, de forma explícita, procura institucionalizar a ilegalidade no campo, flexibilizando as regras ambientais anistiando os desmatadores e abrindo caminhos para a expansão do agronegócio.
O que se constata analisando as políticas públicas implantadas pelos últimos governos brasileiros é o processo perverso de entrega do que resta do setor público à iniciativa privada, em especial o controle da água. Quando se observa projetos faraônicos e bilionários que estão em execução como as inúmeras hidrelétricas e a transposição do rio São Francisco, se tem certeza de que tais empreendimentos terão o controle da iniciativa privada. Portanto, a água deixará de ser um bem público e garantido constitucionalmente a todos, transformando em mercadoria que visa o lucro.
É preciso combater incisivamente esta cultura privatista que está sendo inculcada pela mídia conservadora com pretexto de desmoralizar tudo o que é público, fazendo acreditar que transferindo à iniciativa privada como o controle dos portos, a extração de recursos minerais, a produção de energia elétrica e distribuição da água, tais serviços serão melhorados e com taxas menores pagas pela população.
A água, como um recurso mineral essencial à vida não poderia estar sendo tratada da forma tão irresponsável como ocorre. A mudança de comportamento quanto ao seu uso deve ser intensificada. Além do mais deve ser compreendida como alimento sagrado, fonte da vida para todas as espécies vivas. Para concluir, é imprescindível levar a sério o que dizem as avós anciãs das diferentes culturas tradicionais espalhadas pelo planeta sobre a água.  Na fala de cada uma delas pertencente aos grupos Omyone Gabão, África; Chayene/Arapaho – Montana/EUA; Céu do mapiá – Amazonas/Brasil; Mazateca, oaxaca/México; Tupi-Guarani/Brasil, entre outras, deixa claro que somos gerados no útero de uma mulher, uma bolsa repleta de água, no qual ficamos nove meses protegidos pelo seu fluído. A terra, portanto deve ser comparada a um útero cujo líquido sagrado, a água, fonte de vida, merece todos os cuidados como se fosse um bebê.